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FESTIVAL DOSOL 2009

Uma resenha vagabunda por Adelvan Kenobi, que viajou ao todo (ida e volta) + de 1500 km de Aracaju a Natal de carro com quatro amigos por uma BR 101 cheia de insuportáveis obras de duplicação inacabadas para ver, basicamente, 1 hora de show (ok, com um monte de bandas excelentes de bônus, mas a verdade é que o grande motivo da viagem foi mesmo ver o Exploited ) e voltou achando que valeu MUITO a pena.

Texto por Adelvan Kenobi
Fotos por Jomar Dantas e Diego Marcel

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Foi fácil chegar ao local do evento (Deus abençoe a internet e o Google Maps). Se não fosse teríamos chegado pelo cheiro – fica próximo ao porto, do lado de um galpão de armazenamento de pescados que fedia muito. Devido a um imprevisto não pudemos sair na sexta, como combinado, e por conta disso já chegamos com o festival em andamento, mas ainda a tempo, felizmente, de assistir a uma das atrações que eu mais queria ver, o Sick Sick Sinners. E foi uma recepção em grande estilo. Vlad e Cox, respectivamente guitarra e vocal e baixo (acústico, daqueles grandões) e vocal, são duas lendas do psychobilly brasileiro, tendo participado (e participando) de pelo menos duas outras formações seminais, Os Cervejas e Os Catalépticos. Tocaram no Centro Cultural DoSol, um dos dois locais onde ocorriam os shows, e o mais apertado. Sem frescuras passaram o som e partiram para o ataque, conquistando logo de cara a audiência com sua pegada despojada. O Sick Sick Sinners é um pouco menos punk que o Catalépticos, têm uma pegada mais tradicional e, ao mesmo tempo, mais descompromissada, o que talvez explique a energia positiva que emana de seu show, muito energético e participativo, não se deixando abalar nem mesmo pelas insistentes falhas no microfone que inviabilizaram os vocais de Vlad em boa parte das primeiras musicas. Para mim foi especialmente gratificante vê-los, pois praticamente não existe uma movimentação psycho/rockabilly aqui pelos lados do nordeste, o que torna praticamente inviável uma turnê de bandas do estilo por aqui. Mesmo em festivais é bastante raro, portanto parabéns à produção do DoSol pela escolha na escalação.

Terminada a primeira pedrada já nos dirigimos ao galpão maior, ao lado, onde ocorriam os shows dos “headliners”. Retrofoguetes no palco, que dizer? Muita diversão e musica instrumental de primeiríssima qualidade executada por 3 excelentes músicos, com um excelente humor e uma performance arrebatadora. Além de várias excelentes composições próprias, que vão da surf music tradicional (a base do som da banda) a ritmos os mais diversos, como bolero e “ tcha tcha tcha “ (não por acaso o título de seu segundo disco), divertidíssimos covers, com especial destaque para aquela musiquinha escrota com a qual Silvio Santos apresentava os jurados de seu show de calouros, que sempre levanta a audiência. O mesmo excelente show que já tive o prazer de ver 3 vezes este ano, com a única diferença de que trocaram os macacões vermelhos por um figurino branco. Morotó Slim é Deus, Rex e CH são seus profetas.

Os Baggios foram a segunda banda sergipana a se apresentar na noite, que contou também com a Plástico Lunar. Já os havíamos encontrado, plásticos e Baggios, de rolê pela Rua Chile, felizes da vida pelo excelente show, pela vibrante receptividade e hospitalidade (estavam “de cara” com o hotel onde estavam hospedados). Preocupante o fato de que Perninha, o baterista, não estava presente, mas o mesmo foi substituído satisfatoriamente pelo cabeludo baterista da Elisa. Fizeram um bom show, mas devo dizer que já vi melhores. O entrosamento de Julico com Perninha vinha sendo lapidado à perfeição nos últimos tempos e ele pareceu sentir um pouco a falta de seu companheiro de jornada, mas nada que degringolasse para um fim trágico – muito pelo contrário, fizeram uma apresentação pra lá de decente, embora não o suficiente para manter o publico em peso no recinto, já que aos poucos o local foi se esvaziando, algo que eu credito mais à falta de informação da molecada em si do que à apresentação da banda. Aquele povo ali não parece estar acostumado a sentir o gosto das raízes do rock, a chafurdar na lama dos blues, mas os que entraram no espírito da coisa (e não foram assim tão poucos) pareciam se divertir muito. Inclusive algumas garotinhas que dançaram e cantaram junto o tempo inteiro, e afinal foi pra isso mesmo que o rock and roll foi inventado, segundo as palavras do próprio Chuck Berry no palco de umas de suas ultimas apresentações no Brasil, ao se ver rodeado de deliciosas deusas remexendo as cadeiras e se enroscando em sua guitarra.

O rock não para e entra no palco maior o Danko Jones, do Canadá. Grande show, muito energético. É um performer e tanto, o senhor Jones, com sua língua nervosa e muito bate-papo com a platéia, que respondia a contento apesar da barreira da língua. Entre um e outro discurso sobre sexo, rock e mais sexo (especialmente sexo oral, o cara parece mesmo obcecado com a coisa), riffs certeiros num som de guitarra cristalino. Ressaltando que, segundo o próprio informou no palco, era a primeira vez que ele tocava não apenas no Brasil, mas na America do Sul, não perdendo a oportunidade de desdenhar dos argentinos, para o delírio da galera (Senhor Jones, o senhor é um fanfarrão).

E deu pra nós. Queria muito ver o Eddie, que não vejo ao vivo desde antes do lançamento do “ Original Olinda Style “, mas seriam a última banda a se apresentar, a noite já avançava rumo à sua metade e ainda faltavam três bandas antes – lembrando que tínhamos chegado por volta das 20:00 e estávamos, evidentemente, cansados da viagem. Um baile muito chato que tava rolando na Rua Chile também contribuiu para a decisão de pegar o rumo da praia em busca de um hotel bom e barato, ou que fosse barato e não fosse extremamente deprimente, algo que conseguimos facinho e na orla de Ponta Negra, supostamente uma das mais valorizadas da cidade.

Um delicioso churrasquinho na orla antes de dormir, uma boa noite de sono (sentindo a falta de um certo alguém, mas nem tudo é perfeito), um café da manhã satisfatório, um rolê até o Morro do Careca e um rango reforçado na Via costeira. Depois, eis-nos de volta à Rua Chile para a grande noite. Esperávamos dar de cara com uma turba de punks e carecas alucinados se digladiando na porta do evento, mas não foi nada disso, o publico era basicamente o mesmo “leitinho com Nescau” da noite anterior – o que não é, necessariamente, ruim, especialmente no quesito “fêmeas bem vestidas”, mas para uma primeira apresentação do Exploited em terras nordestinas, foi inusitado. Realmente tínhamos a expectativa de uma platéia mais “das antigas” e “casca-grossa”.

Entramos a tempo de ver os veteranos do Nervochaos, uma banda que toca “sem a presença de Deus”, nas palavras do grande Marcos Bragatto, jornalista carioca de grandes serviços prestados ao rock, presente na noite. No outro palco Deadly Fate, local – metal tradicional, com aqueles vocais afetados insuportáveis. Não curti. Não vi a Distro, pois o Centro Cultural DoSol estava lotado e eu não tava com saco de entrar naquele calor infernal. Vi um pouco de uma banda norueguesa chamada Pulverhund. Ruinzinha, e destoando totalmente, com um som mais pra Coldplay que pra Extreme Noise Terror. Bragatto achou o vocalista parecido (fisicamente) com Josh Homme do Queens Of The Stone Age e deu a entender que isso é um mérito, o que eu acho questionável. O DoSol continuava lotado mas eu resolvi encarar por curiosidade pra ver o Comando Etílico e não me arrependi. Excelente banda, emulando totalmente o metal que era feito no Brasil nos anos 80, a la Dorsal Atlântica, Taurus, Overdose e afins, com direito a letras épicas e coreografias ensaiadas no frontline. Muito legal, excelente para lembrar de como aquilo pode ser divertido (e eu não estou falando no sentido pejorativo).

Confronto, do Rio de Janeiro, foi a banda seguinte, no galpão principal. E foi monstruoso. Foi muito, mas muito, muito pesado mesmo. O guitarrista é muito bom, conduzindo a banda com riffs matadores na linha do que de melhor é feito nas searas do metal extremo para servir de camada para um ritmo cadenciado e vocais vociferados com mensagens de revolta social autentica. O publico curtiu muito, creio inclusive que foi a banda mais aclamada pela galera presente, mais até que o Exploited, como vermos adiante. Excelente show. Realmente MUITO pesado, fiquei impressionado.

Calistoga no DoSol. Meio emo, com uma presença de palco meio exagerada, meio Mars Volta. Curti não. Curti o Devotos, nunca mais tinha visto ao vivo. Só estranhei o péssimo som de guitarra, um contraste total com o que tinha ouvido antes, com o Confronto.

E eis que chega o grande momento em que veríamos finalmente ao vivo, e relativamente (bem relativamente, na verdade) perto de nossa casa (na verdade o nordeste é nossa grande casa, há uma identificação cultural muito forte entre todos os estados nordestinos que nos faz sentir em casa em qualquer um deles), uma das maiores e mais influentes bandas da historia do rock, o Exploited. Ainda iria rolar uma tal de Mugo no palco menor, mas dispensamos completamente e fincamos o pé por ali mesmo, a tempo de ver a lenda viva em pessoa, Wattie, passar por nós com seu pra lá de icônico visual de moicano cor de rosa e camiseta preta com a clássica caveira desenhada por Pushead em vermelho. O pano de fundo da banda foi erguido por cima da imagem do festival e logo ele estava lá, no palco, do alto de seus 53 anos muito bem vividos, com aquele velho olhar psicótico, batendo o microfone na cabeça e saudando a todos antes de anunciar a primeira musica que foi, puta que pariu, “let´s start a war” !!! Melhor impossível.

O caos se instaurou – na verdade nem tanto, esperava muito mais. Esperava mais gente e um publico muito mais ensandecido, mais fã da banda. A impressão que tive é de que 80% dos que estavam lá só tinham ouvido falar por alto da banda, no máximo baixado um ou dois discos e ouvido sem muita atenção antes de deletar de seus eternamente abarrotados HDs. Foram muito menos aclamados do que mereciam entre uma musica e outra, e o pogo foi aquela cirandinha punk que já costumo ver sempre nos Abril pro rock da vida – acho meio ridículo, prefiro o pogo mais caótico e desarticulado que rola mais por aqui (Aracaju), talvez por influencia de Salvador, onde o bicho pega pra valer (nunca consegui permanecer por muito tempo numa roda de pogo por lá, é uma carnificina incrível, nas poucas vezes que me arrisquei – em shows do Ratos e do Destruction – saí todo arrebentado). Isso, no entanto, é apenas uma observação meio tola, pois o que realmente importa aconteceu: a banda fez um apresentação devastadora, recheada de clássicos e com um pique incrível. Wattie segue sendo um grande frontman, e muito simpático e carismático, ao contrario do que seu olhar carrancudo dá a entender. O volume foi ensurdecedor, reverberou em meus ouvidos zunindo pelo resto da noite. O show foi curto mas pra lá de satisfatório, com direito a um bis iniciado com “sex and violence” cantada por uma garotada (garotada mesmo, tudo novinho) que foi convidada ao palco. Da parte da platéia ( e a platéia é sempre importante em shows de punk rock ) vai ficar em minha memória o surf de Camilo Maia, dos Subversivos de Recife, nos braços do povo.

Memorável.

Deise Santos
Carioca, jornalista, produtora cultural, baixista e guia de turismo. Deise Santos é apaixonada por música - principalmente rock e suas vertentes -, literatura, fotografia, cinema, além de colecionadora - contida - de vinis. Pé no chão e cabeça nas nuvens definem a inquietude de quem está sempre querendo viajar, conhecer pessoas e culturas diferentes. Idealizadora do Revoluta desde seus ensaios com zines, blogs e informativos, a jornalista tem como característica a persistência em projetos que resolve abraçar.
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