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O peso, o cone e a abelha louca

Mau Presságio + Atitude Insana + Hopium
(Carenagem Rock Bar/RJ – 09/05/2015)

Texto por Roberto Azevedo
Foto por Francis Nunes

No último sábado, 09/05, foi inaugurado o Carenagem Rock Bar. Localizado pertinho da estação Praça do Bandolim do BRT, no Rio de Janeiro, o bar abriu suas portas e tomou conta das calçadas, para receber o peso (muito peso!) das guitarras das bandas Mau Presságio, Hopium e Atitude Insana. Sonzeira quente para uma noite fria (com base no padrão carioca de frio, claro).
A banda Hopium foi a primeira a tocar fogo no palco (mais precisamente uma calçada convertida em palco, que proporcionava certa indistinção entre os músicos e o público). Com uma brabeza sonora de dar gosto, disparou toda a sua aflição em “O outro Mundo” (“senti o medo tomar conta de mim/ e o desespero numa angústia sem fim”). Em “Insônia”, a angústia se agiganta em longas noites de desilusão: “Não consigo dormir/ Não consigo estudar/ Tenho que ganhar dinheiro/ Preciso trabalhar/ Insoniaaaaa! Insoniaaaaa!”. Quando parecia que o ceticismo ia dar o tom, surge “Revolução ou morte” (“Vamos juntos lutar pelo que é nosso/ Vamos juntos nos revoltar contra a lei”). Desafio e convocação aos berros! Grito de independência contra os ratos “somos uma nação contra vocês”.
Na sequência, mais versos de convocação. Era a vez da banda Atitude Insana, com sua “Assembleia de Rua” (“A briga continua/ Governando uma assembleia diferente/ A que vem da rua”). Em tempos de fortalecimento dos occupy mundo afora, a rua ressurge cada vez mais como foro privilegiado para a luta por um mundo melhor. Luta e esperança fortalecidas nos versos de “Fé” (“Punhos erguidos sem derrota/ Essa força não pode deixar de existir/ Punhos erguidos sem derrota/ E eles não podem mais me oprimir”). Contra a opressão, urge a luta contra o engano e o auto engano. É a mensagem de “Sábio” (“e prefere não saber de nada/ quando você mesmo se engana”).
A noite foi incendiada de vez com o Mau Presságio que garantiu a roda de pogo com clássicos como “Moto boy tarado” e “Punk, Punk”. O vocalista Chiquinho, sempre uma atração à parte, fez de tudo um pouco. Bebeu cerveja de “latão”, gesticulou alienadamente para as câmeras que registravam o evento, esboçou um pole dance de duvidoso erotismo, promoveu um beijaço hétero, pregou como um pastor, bebeu um pouco mais, ficou sem camisa diante de uma agasalhada plateia… E até cantou! Diante da exibida semi-nudez do frontman, era possível ouvir um misto de indignação e êxtase: “Mamilos polêmicos…”, disse uma expectadora tentando disfarçar a excitação. Gostos discutíveis a parte, o fato é que a esquina das ruas Damocles e Manicária havia se convertido em salão de baile sob a batuta do Mau Presságio. Carros e motos que passavam tinham que redobrar a cautela, mas não se importavam. O clima era de harmonia. De fato uma assembleia de rua.
Lá pelas tantas, o seminu Chiquinho lançou mão de um cone que tinha a ingrata missão de ordenar o tráfego e o encaixou no convexo da sua nádega. Atitude que provocou grande alívio entre os muitos presentes que não aguentavam mais a descarada exibição de seu horripilante cofrinho. Com o cone na bunda, ele corria de um lado para o outro. “Parece uma abelha rainha”, gritou um gaiato. Para outros espectadores, aquele barbudo sem camisa correndo com um cone laranja na bunda parecia mesmo um louco. Um pouco dos dois, talvez.
Assistia àquela performance ao lado do antigo companheiro Vitor Manoel Neto. Rimos enquanto aquela abelha doida zanzava pelo palco e escutamos atentos sua “pregação” (arremedo com a voz típica de um pastor neopentecostal) que dizia ser a cena, formada por cada um dos que ali estavam. “Ela só existe por causa de você, você, você…”, e apontava para todos, com os olhos vidrados e dramaticidade teatral. Ao ouvir tudo aquilo, Vitor, que é dado à conjecturas filosóficas, esboçou a seguinte análise: “A pregação da abelha-louca é uma bela metáfora da cena independente. Analogia certeira menos pela capacidade que a cena tem de dispor de ordenamento formal e sistemático (que, por certo, não é muito o forte do underground) e mais pela produção do mel. Uma a uma, cada abelha instintivamente trabalha para fabricar seu alimento com o que é retirado das flores. Elas não têm consciência do que fazem, mas fazem da melhor forma e garantem o sustento de todos na colmeia. De certa maneira, cada um de nós também é, ao mesmo tempo, flor e abelha. Instintivamente doam o melhor de si para todos. Trabalham da melhor forma para fazer de eventos como este promovido pelo Carenagem uma fonte de nutriente para todos que incansavelmente constroem e reconstroem a cena independente. Mas a cena independente é apenas um nome seguido de adjetivo. Para alguns pode não dizer nada, para outros muita coisa. Mas só pode sentir seu doce sabor quem nela se lança de corpo, de alma… e de coração”.
Pensava na perspicácia da análise de Vitor e não me dei conta de que o show do Mau Presságio chegava ao seu final. O punk rock de bêbado havia deixado seu rastro de doçura (mel com cachaça fica uma delícia!). Como um enxame de abelhas, o público não deixava por menos e zumbia o já tradicional coro em homenagem à abelha-louca: “Chiquinhoooo, viadoooo…”
O cone de sinalização jazia tombado rente ao meio-fio.

 

Deise Santos
Carioca, jornalista, produtora cultural, baixista e guia de turismo. Deise Santos é apaixonada por música - principalmente rock e suas vertentes -, literatura, fotografia, cinema, além de colecionadora - contida - de vinis. Pé no chão e cabeça nas nuvens definem a inquietude de quem está sempre querendo viajar, conhecer pessoas e culturas diferentes. Idealizadora do Revoluta desde seus ensaios com zines, blogs e informativos, a jornalista tem como característica a persistência em projetos que resolve abraçar.
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