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O cão branco e o garoto sem coleira

Setek + Verbara + Drenna
(Maverick Bar/Jacarepaguá/RJ – 20/04/2015)

Por Roberto Azevedo
Foto por Alysson Antunes

No sábado dia 20 de abril, aconteceu o evento “Som da Cena”, no Maverick Bar, em Jacarepaguá. Nesta edição, o evento organizado pela DM Produção Executiva e Maverick contou com as bandas SetekVerbara e Drenna.
A cada evento o número 102 da Rua Oswaldo Lussac vem atraindo cada vez mais pessoas a fim de ouvir um som de qualidade em um ambiente simpático e acolhedor, seja na sala para shows mais intimistas ou no pátio anexo com capacidade para receber públicos maiores.
O show aconteceu na sala com paredes decoradas com capas de LP’s e discos de vinil. Quem abriu a noite foi a banda Setek. A energia demolidora em versos como “pego muito no pesado/ minhas mãos são meu fuzil” (Soldado brasileiro) e “nunca tinha visto nada igual/ tsunami, terremoto ou vendaval” (Que mulher é essa?), garantiu o deleite do público estonteado com a pancada de hard rock.
Na sequência veio a Verbara abusando das estampas coloridas, dos metais e da cafajestice. “Incompetente! Incompetente!/ Você teve ela nas mãos mais foi incompetente!” (Incompetente), cantava com melodramático e hilariante cinismo o vocalista Kadu. A banda aposta na ironia para avacalhar (com muita qualidade e competência, diga-se de passagem) as convenções musicais deixando de cabelo em pé aqueles que defendem uma suposta pureza do rock. Diante do rosnado conservador, fico com a versão de Verbara para “Coração em desalinho”, música celebrizada na voz de Zeca Pagodinho. Muito bom!
A última atração da noite foi Drenna, que com suas coloridas madeixas incendiou o palco da Maverick. Com uma voz que mistura doçura e energia, a cantora passeia pela complexa delicadeza das coisas simples: “Me diz o que é verdade/ Me mostre os prazeres do mundo/ Me ouça quando eu falar” (Verdades).
O público, sempre uma atração à parte, contava com dois personagens que chamaram a atenção: um cãozinho branco e um garoto que não aparentava ter mais de treze anos. Enquanto o primeiro passeava tranquilamente pela casa, à revelia de todo o agito, o último assistia animado os shows, atento a tudo que acontecia no palco. De certa forma a presença daqueles dois era uma síntese do clima de liberdade e aconchego daquela noite.
Durante um dos intervalos entre as bandas, engrenei uma conversa com Lorenzo Ferreira, o tal garoto. “E aí rapaz, o que tem ouvido?” Com a voz tímida ele me respondeu: “Ouço rap nacional, Cone Crew, Oriente…; de rock ouço Pitty, O Rappa…; da cena estou ouvindo…”. Para prevenir eventuais biquinhos de ciúmes, vou manter incógnita a lista das bandas da cena prediletas. Prudência e canja de galinha… Independente da preferência por A ou B, me impressionou o fato de tão jovem garoto destinar uma seção de sua playlist para as bandas da cena alternativa.
É bom demais ver um garoto crescendo livre da ostensiva e asfixiante propaganda que tenta dar aparência de escolha à um insosso e pouco sortido grupo de artistas que são vendidos mais como celebridades do que como músicos. A playlist do garoto pode ser vista como fruto de uma criação sem coleiras, sem amarras, onde a livre escolha deixa de ser um termo vazio e ganha sentido porque é exercitada em um ambiente de real diversidade de opções. Só assim é possível ser livre. E Lorenzo o é.
Não deixa de ser sugestivo o fato de um dos significados em inglês de maverick ser justamente este: pessoa de pensamento e de comportamento independente. Um viva ao Lorenzo! Um viva à vida sem coleiras! Que sejamos todos um pouco mais independentes. Um pouco mais livres. Um pouco mais Maverick!

 

Deise Santos
Carioca, jornalista, produtora cultural, baixista e guia de turismo. Deise Santos é apaixonada por música - principalmente rock e suas vertentes -, literatura, fotografia, cinema, além de colecionadora - contida - de vinis. Pé no chão e cabeça nas nuvens definem a inquietude de quem está sempre querendo viajar, conhecer pessoas e culturas diferentes. Idealizadora do Revoluta desde seus ensaios com zines, blogs e informativos, a jornalista tem como característica a persistência em projetos que resolve abraçar.
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