You are here
Home > Entrevistas > Quinze perguntas para a Questions

Quinze perguntas para a Questions

Positive Hardcore. Assim é a Questions, banda de hardcore de São Paulo, que completa uma década e meia este ano. Formada por amigos e com mensagens de protesto, união e respeito mútuo, a Questions leva à risca a máxima Faça Você Mesmo e com isso conquistou o público não só brasileiro, mas também o continente europeu, onde a banda já fez algumas turnês. A identidade da banda está não só na sonoridade, mas também no material gráfico e em tudo que eles possam usar como meio para passar a mensagem da Questions.
Nessa entrevista, Pablo Menna Barreto, guitarrista da banda, faz uma reflexão sobre os quinze anos da banda, além de falar sobre a cena underground, o choque cultural na primeira vez em que pisaram no velho continente e sobre a atual situação política e social de regiões tomadas pela guerra.
É hardcore politizado, sem ser panfletário. Confira.

Entrevista por Deise Santos
Fotos por Setesete

Quinze anos de estrada, de uma trajetória que começou com a amizade na periferia de São Paulo e o interesse pelo que acontecia no cenário underground do final dos anos 80. Como é olhar para trás e ver esse rastro de atitude positiva em que a Questions se transformou?
Muito bom. Manter a banda viva significa manter a amizade e o espírito que a gente tinha quando era moleque. Por um lado, tudo mudou. A vida de cada um vai tomando rumos diferentes, a gente assume responsabilidades, encara novos desafios. Por outro, nada mudou. Somos 4 amigos de bairro com vontade de tocar e expressar nossas ideias. Manter isso vivo por tantos anos é uma puta conquista por si só. Ver e sentir que outras pessoas dos mais variados lugares se identificam com o que a gente diz e com o nosso som, é muito gratificante. Dá o gás que a gente precisa para continuar na luta.

A banda tem como marca registrada a postura enérgica e positiva não só em suas letras, mas também nas suas apresentações ao vivo. Como é possível manter essa fórmula por 15 anos?
Só é possível manter essa “fórmula” porque não é uma fórmula. A energia da música, do show, é algo natural para nós. É algo que nos pegou quando a gente era moleque e que não esquecemos mais. O hardcore pra nós é, entre tantas outras coisas, isso: banda e público fazem o show juntos. Um alimenta a energia do outro. Quando isso acontece de verdade, é uma parada muito forte, nunca conhecemos emoção parecida na vida. Então podemos dizer que a gente meio que viciou nesse sentimento, cada vez que a gente vai tocar é isso que a gente busca.

Numa reflexão sobre os 14 anos da banda, publicada no site de vocês, foi dito que o “Faça Você Mesmo” é o lema desde o primeiro dia. E o que podemos notar é que a Questions não é só sonoridade. Isso fica claro pelas capas, artes de flyers (de shows nacionais ou tours pela Europa) e demais linguagens artísticas que a banda se utiliza para atingir seu público. Essa é uma forma de mostrar que é só arregaçar a manga e fazer você mesmo que as coisas acontecem?
A gente entende que uma banda, especialmente de hardcore, não é só música. Além das letras, claro, toda a forma que nos comunicamos é importante. Desde o começo a gente se propôs a buscar a nossa própria identidade, seja no som, nas capas, cartazes, adesivos, vídeos e tudo mais. Muito em função do nosso vocal Edu (Revolback), que sempre gostou de desenhar, de montar fanzines, etc. Ele foi desenvolvendo seu estilo e isso aparece em tudo o que a gente faz.
Desde cedo a gente entendeu que, se ficássemos sentados esperando as coisas acontecerem pra gente, nunca iríamos sair do lugar. A gente se inspirou e se inspira nas pessoas e bandas que são correria, que fazem as coisas acontecerem. Tá aí o principal legado que o punk deixou e que procuramos levar pra frente.

 

“o hardcore acontece nas ruas, nos shows, nas posturas que você assume na vida… real”.

 

Quais bandas vocês podem citar como influência de autogestão, postura, enfim, bandas que fizeram com que vocês seguissem em frente?
Já dissemos isso muitas vezes, mas não cansamos de repetir: a gente viveu o Sepultura do começo, então o Max e o Iggor foram os caras que nos ensinaram a correr atrás das coisas que a gente queria na vida. Eles vieram do metal, mas levaram a postura punk “faça você mesmo” ao máximo e construíram a maior banda underground que já existiu por aqui. Muito respeito ao Ratos de Porão também, que está aí com todo o gás há mais de 30 anos, não é para qualquer um. Acabamos de tocar alguns shows com eles na Europa e os caras continuam destruindo.
Dos gringos, duas referências obrigatórias são o Sick of it All e o Madball. São bandas dos anos 80 que fazem os melhores shows de hardcore de hoje, na nossa opinião. E os caras são honestos com o som e com a mensagem que passam, não tem estrelismo nem nariz empinado, são verdadeiros. Isso é o mais importante.

A banda é rapidamente identificada pelo material gráfico, que como você disse, é assinado pelo Edu (Revolback), dentre as artes produzidas por ele para a banda, qual a que mais marcou vocês?
Cada uma tem um significado especial e é muito bom ver como o trabalho dele foi se desenvolvendo ao longo dos anos. A arte com as nossas mães no disco “Life is a Fight” é uma das mais marcantes com certeza.

Como se chegou a essa ideia de homenagear as mães dos integrantes? Por sinal, a sensibilidade do Edu Andrade ao desenvolver várias versões da capa é algo louvável.
Ele veio com o nome da música/disco, e também com a ideia de representar isso com a imagem das nossas mães. Se é para falar de uma vida de luta, nada mais apropriado que homenagear as nossas mães, que batalharam muito para criar os filhos num ambiente com muitas dificuldades. E ninguém aqui virou engenheiro (hahaha). Temos consciência que escolhemos um caminho difícil para nós e elas sempre apoiaram as nossas escolhas.

Como foi pisar pela primeira vez no solo europeu? Houve choque cultural? Alguns mitos caíram por terra? O que essa experiência influenciou na trajetória da banda?
Tocar na Europa era um sonho de moleque. Foi uma coisa que não veio fácil pra nós, a gente teve que batalhar muito para chegar lá. Então, quando finalmente aconteceu, o sentimento de realização pessoal foi muito grande. Na primeira tour, em 2007, fizemos quase 40 shows em 17 países, um rolê gigante. Passamos por muita coisa, todo tipo de show, desde clubes super profissionais até os squats mais precários. Aprendemos muito sobre como segurar o tranco, porque uma viagem dessas exige muito de todos.
O choque foi enorme em vários sentidos, mas o principal, para mim pelo menos, foi ver que as condições de vida da população em geral são muito melhores que aqui. Mesmo nos países mais pobres, não existe essa quantidade obscena de pessoas vivendo na miséria ou em condições muito ruins como no Brasil. Por isso mesmo, a galera tem mais chance de colar nos shows, tem tempo e pelo menos um pouco de grana pra comprar uma camisa ou um disco, se gostou da banda. Mesmo que o show seja num terça, numa cidade pequena, tem público. Isso torna possível uma viagem longa como essa, as bandas podem tocar todos os dias. Aqui parece que a gente está o tempo todo correndo atrás só para sobreviver, shows no meio da semana são praticamente inviáveis, ainda estamos muito longe da realidade deles. Aqui o país não proporciona nem o mínimo básico para o povo, não tem moradia, escola, hospital, transporte decentes, então realmente não dá para comparar. O que mais nos revolta é que sabemos que o Brasil é um país rico, enfim, essa conversa vai longe.
Essa tour confirmou todas as nossas expectativas e nos deu a certeza de que a gente queria fazer isso mais vezes, tocar e conhecer mais e mais lugares. Desde então voltamos outras quatro vezes e pretendemos ir o máximo possível.

O que vocês trouxeram na bagagem cultural da tour realizada no início do segundo semestre de 2015? Como foi tocar em festivais no verão europeu?
Já fomos 5 vezes para lá, cada tour é uma experiência única. Estamos aos poucos construindo nosso caminho, explorando lugares novos ou tocando em lugares onde já temos amigos e pessoas que gostam da banda. Dessa vez tivemos a oportunidade de tocar alguns shows com a Ratos de Porão, outros com o First Blood, mais uma vez com o Madball, tocamos pela primeira vez em Paris e outras cidades da França, enfim, foi a melhor tour que a gente já fez, porque além de tudo isso ainda tocamos em 3 festivais importantes: o Hardcore Help Foundation na Alemanha, o Fluff na Rep. Tcheca e o Ieper na Bélgica. O mais gratificante não é só a oportunidade de tocar, mas sentir que a reação da galera nesses shows todos foi muito boa.
Uma viagem dessas proporciona muitas experiências, não só no meio do hardcore. Sempre que possível a gente gosta de conhecer coisas e as duas memórias mais marcantes dessa tour foram: a visita ao campo de concentração de Auschwitz, na Polônia e ao museu Van Gogh, em Amsterdam.

Em uma entrevista dada a um portal de cultura independente, um de vocês falou que um dos objetivos da banda era conseguir resgatar o sentimento que existia no cenário underground do início da década de 90 quando o hardcore não tinha subdivisões. O pensamento continua o mesmo? É possível tornar a cena UNA?
Sim, a gente sabe que esse discurso pode soar meio ingênuo ou utópico para alguns, mas foi assim que a gente aprendeu. O básico: a união faz a força. Então, nós já vivemos num lugar onde o rock em geral não é muito bem aceito, não existe uma estrutura legal para as bandas se desenvolverem e tantas outras dificuldades. E aí a gente vai ficar arrumando mais e mais motivos para dividir as pessoas? Achamos que não. Achamos desde o começo e continuamos achando que no nosso show todos são bem vindos: punks, straight edges (sxes), bêbados, headbangers e etc. A única coisa que não faz sentido é se a pessoa tem qualquer comportamento homofóbico, racista, nacionalista ou segregador. O nosso show não é lugar para nada disso.

“Acreditamos que uma das coisas que o hardcore deve fazer é isso: tentar despertar nas pessoas alguma consciência sobre o que está acontecendo no mundo.”

Com base nesse pensamento da cena ser UNA, vocês acham que utilizar a ferramenta pública, através de projetos para enquadramento em leis seria um dos caminhos para que a cena underground pudesse ser mais estruturada?
Achamos válido e achamos importante qualquer meio para o desenvolvimento da cena, desde que feito com transparência e honestidade, seja aproveitado. Não temos aquela visão restrita que acha que tudo que é apoio que possa vir de governo ou de empresa significa ter o rabo preso ou trair os seus princípios. Pelo contrário, os governos nos devem a todos, eles têm mais é que incentivar atividades culturais mesmo. Achamos até que a gente corre muito pouco atrás desse tipo de coisa.
Mas só para deixar claro, o hardcore sempre foi feito por pessoas que não ficam esperando o governo ou qualquer outro ‘apoiar’. É o espírito faça você mesmo que sempre prevaleceu e até hoje prevalece, se tiver que depender só de incentivo para sobreviver, aí já não é mais hardcore, é alguma outra coisa.

É sabido que algumas bandas européias conseguem fazer tour para outros continentes baseadas no intercâmbio cultural, será que no Brasil um dia isso será possível para as bandas independentes?
Sim, tem que ser possível. Temos que aprender a usar a máquina a nosso favor. Fazer pressão, cobrar, lutar para que isso aconteça. Não é fácil, mas ficar parado reclamando não vai mudar nada.
Tudo sempre volta na questão econômica e na mentalidade atrasada que temos aqui. Nós, que fazemos parte do povo, temos que perceber que vivemos num país rico, que tem condições de fazer muito mais por nós do que o que está sendo feito. Não podemos nos contentar com as migalhas que as elites jogam para nós.

O que os integrantes da Questions fazem quando não estão no estúdio (ensaiando ou gravando) ou no palco tocando? Com o que vocês trabalham? O que vocês fazem no horário de lazer?
Morando no Brasil, não tem outro jeito, cada um de nós tem que ter um trampo para se manter. Estamos todos os dias na correria, nem sempre podemos tocar as ideias da banda com a velocidade que a gente gostaria, mas por outro lado a gente mantém o Questions 100% do jeito que a gente quer. Não temos compromisso nenhum a não ser com nós mesmos, só com o que a gente acredita.
O Duzinho é o mais ligado à música no dia a dia, ele é professor de bateria no Bateras Beat (agende uma aula cortesia com ele, hahaha), o Edu trabalha numa firma de merch e faz as artes dele, seja desenho, xilogravura, pintura, stencils na rua, etc, o Helinho trabalha numa assessoria de imprensa e eu faço vídeos.
Todo mundo gosta de artes em geral, então quando sobra algum tempo a gente gosta de colar em exposições, feiras de zines, shows (claro, haha!), cinema e tal. Como na pergunta que a gente falou sobre a vida na Europa, infelizmente sobra muito menos tempo para essas coisas do que a gente gostaria de ter. Mas sempre que possível a gente vai. Ah, eu também gosto de jogar bola.

Vocês são de um estado que respira cultura, que tem vários locais para fazer shows, mas em outras partes do país o cenário underground é órfão de bons espaços para shows e demais atividades. Como vocês driblam isso, para não cair na armadilha de só tocar em São Paulo? Como tem sido o contato e a descoberta de locais Brasil afora?
A gente respeita muito as pessoas que fazem o corre nos vários cantos do país para que as bandas possam tocar e a cultura underground se desenvolver. Sentimos que, aos poucos, existem mais espaços e chances para tocar. Nos últimos anos, tocamos em João Pessoa, Natal, Porto Alegre, Palmas, Brasília, Belém, todos bem longe de SP, coisa que era mais difícil de acontecer nos primeiros anos da banda. A gente sempre meteu as caras e fez todos os rolês possíveis, e não perdeu essa vontade de descobrir lugares novos até hoje. Achamos importante botar a banda na estrada e não ficar só tocando em casa. Assim, estamos sempre em contato com produtores pelo Brasil, queremos levar as ideias e o som para todos os lugares onde tenha alguém interessado.

Brasileiros estão no topo do ranking de horas gastas em redes sociais através de seus smartphones, tablets e etc… Vocês acham que isso interfere na cena? Será que o público está cada vez mais optando por ficar em casa em vez de sair para conhecer novos espaços para shows e novas bandas do jeito tradicional?
Esse foi outro choque que rolou na Europa agora. Nós, como brasileiros legítimos (hahaha), estamos acostumados a estar online o tempo todo. Lá sentimos que o pessoal não liga tanto. Sim, é claro que quase todo mundo tem o seu face, instagram e etc, mas a nóia de ficar atualizando o tempo todo parece um pouco menor. Nos shows você vê menos gente fazendo foto com celular. Quando tem alguém fotografando, geralmente é com câmeras, lentes pro e tal.
Nós achamos a internet um avanço importantíssimo, uma puta conquista da tecnologia para facilitar o contato das pessoas. A molecada que cresceu depois do email não faz ideia de como era antes disso.
Mas nada substitui a experiência real de colar num show com seus amigos, conhecer gente de verdade ali, trocar ideia pessoalmente. Isso não é virtual, é vida real. O hardcore acontece nas ruas, nos shows, nas posturas que você assume na vida… real. O que acontece do teclado pra lá é virtual.
Por mais que alguns possam preferir ficar em casa conhecendo bandas e sons só na net, honestamente não acho que isso vai de alguma forma ‘matar’ a cena de verdade. Pode soar meio ingênuo, mas nada substitui a experiência real, por isso mesmo isso nunca acaba.

Nas redes sociais, a banda se pronuncia sobre assuntos sociais e políticos como, por exemplo, o apoio aos refugiados da Síria, que vivem um êxodo só comparável ao vivido durante a II Guerra Mundial. Como o público de vocês responde a esse tipo de postura? O que vocês pensam em relação a esse momento político e social?
Acreditamos que uma das coisas que o hardcore deve fazer é isso: tentar despertar nas pessoas alguma consciência sobre o que está acontecendo no mundo. Alguém tem que falar das injustiças, dos problemas, do que está dando errado. Não precisa ser muito entendido em política internacional para perceber que a crise da imigração para a Europa hoje é uma tragédia enorme. Muita gente da Síria e de outros lugares do Oriente Médio e da África estão fugindo da guerra, a opção delas é tentar fugir dali ou provavelmente morrer. Ninguém abandona sua cidade, seus amigos, seu lugar de origem porque está a fim de roubar o emprego de alguém num país mais rico. É um ato de desespero. É muito triste que isso ainda aconteça em 2015.
A gente sente que todo o esforço de conscientização é válido. Então a galera que acessa nossa página pode ter uma ideia do que a gente pensa, quais são as coisas em que a gente acredita. Se se identificar e quiser se aprofundar em algum assunto, trocar ideia, ótimo. Se não, já sabe qual a nossa visão.
Vivemos um momento muito ruim em muitas coisas hoje. Existe uma radicalização generalizada no debate político, muitos discursos de ódio, de atraso, pouco espaço para uma reflexão mais racional sobre quais deveriam ser as prioridades do país. É inacreditável que a maioria da população ainda não tenha um mínimo de condições básicas de vida, infelizmente temos que dizer a verdade: somos terceiro mundo mesmo. Isso precisa ser dito para que as pessoas se conscientizem e lutem para melhorar.

Questions é:
Pablo Menna – Guitarra
Edu Andrade – Vocal
Helio Suzuki – Baixista
Duz Akira – Bateria

Para saber mais acesse:
Site Oficial 
Bandcamp 
Facebook 
Twitter: @questionshc
Youtube

 

Deise Santos
Carioca, jornalista, produtora cultural, baixista e guia de turismo. Deise Santos é apaixonada por música - principalmente rock e suas vertentes -, literatura, fotografia, cinema, além de colecionadora - contida - de vinis. Pé no chão e cabeça nas nuvens definem a inquietude de quem está sempre querendo viajar, conhecer pessoas e culturas diferentes. Idealizadora do Revoluta desde seus ensaios com zines, blogs e informativos, a jornalista tem como característica a persistência em projetos que resolve abraçar.
Top