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Revolta Civil: papo reto, direto da Veneza brasileira

A banda recifense Revolta Civil, fundada em 2002, já sofreu algumas mudanças na formação, fez uma pausa, retornou à ativa, lançou o EP O Novo Reich e Agora, o quarteto está de malas prontas para uma mini-turnê pelo Rio de Janeiro, em agosto (confira as datas aqui!). O vocalista e integrante da formação original da banda, Élder, bateu um papo conosco sobre a história da banda, visões políticas sociais entre o Nordeste e o Sudeste, além das expectativas de sair da Veneza brasileira (como é conhecida Recife), para  a cidade do Caverão. Confira a entrevista:

Por Deise Santos
Fotos de divulgação

Onde e como surgiu a Revolta Civil?
Então, é curioso que a banda surgiu de uma merda que rolou no último show do Artigo 5º, antiga banda de Luciano (nosso primeiro guitarrista), Thiago (nosso primeiro baixista) e Raone. Eu era amigo dos caras e fui assistir a um show da banda, só que o Thiago furou e os caras tiveram a NADA brilhante ideia de fazer o show comigo no vocal. Ensaiamos 2 horas no camarim do show (risos), claro que foi uma verdadeira bosta, mas acabou que rolou aquela sinergia. Então em junho de 2002, surgiu o Revolta Civil em algum estúdio do Ipsep, bairro do Recife(PE).

Quais foram as influências no início da banda?
A banda dos caras tinha uma pegada mais Biohazard e eu ouvia mais punk/HC, crust e thrash, então a gente decidiu fazer um som que misturasse as influências, algo como Ratos de Porão, Brujeria, Sepultura, Disrupt e Dead Kennedy.
Influência sempre foi um troço complicado, porque a gente já mudou muito a sonoridade desde o início. Influência vem do rap ao grindcore que a gente sempre ouviu. Mas a partir do EP Ódio e Medo, eu acho que a gente desenvolveu uma personalidade própria. A espinha dorsal é de hardcore, mas tem muita coisa de thrash/death metal e grindcore pra caralho. Então se fosse pra dizer o que dá pra identificar de semelhança no nosso som, eu diria que é Ratos de Porão + Napalm Death + Sepultura, o resto é liquidificador.

Porque Revolta Civil?
O nome foi uma ideia de Thiago, pelas letras políticas que sempre foram a pauta da banda, embora isso não seja proposital ou uma exigência. Aí tinha uns nomes e acabou que ficou esse. Eu sempre tive um pé atrás com o nome porque poderia limitar nossas ideias a algo mais taxativo, a alguma bandeira ou rótulo. Inclusive, pouca gente sabe, mas até tentamos por menos de um mês mudar o nome pra “Sodoma Attack”, mas não rolou. Em suma, o nome representa pra gente o sentimento individual, espontâneo e desorganizado de cada ser indignado com o mundo que vive e motivos não faltam. Então o nome representa o sentimento das letras e da sonoridade da banda.

Quantas mudanças tiveram na formação da banda e quem é a banda hoje em dia?
A banda fez o 1º show com 4 integrantes: Eu (vocal), Raone (bateria), Thiago (baixo) e Luciano (guitarra). Só que nos primeiros ensaios Júlio já fazia a 2ª guitarra. Com a saída de Thiago em 2004, Júlio assumiu as 4 cordas. Essa formação durou até 2007. Raone foi morar em SP pra tentar a sorte com uma outra banda, chamada Iupi. Então Azeitona (ex-Fogo Morto, Ataque Suicida, ViaSat) assumiu a bateria entre 2007 e 2009. Raone voltou pra bateria em 2010 e Júlio assumiu a 2ª guitarra como nos primórdios, meu irmão (Eduardo) fez alguns shows no baixo e no mesmo ano começamos a gravar, mas paramos. Quando voltamos em 2015, Matheus assumiu o baixo e no mesmo ano Luciano decidiu sair da banda. Ficamos com essa formação até 2018, quando Igor (Desalma e CNHC) assumiu o baixo. Então hoje o Revolta Civil é: Élder (vocal), Júlio (Guitarra), Igor (Baixo) e Raone (bateria).

A banda deu uma pausa nas atividades entre 2010 e 2014, voltando a se reunir em 2015. Porque aconteceu esse hiato e o que significou para a banda parar por 4 anos? E qual foi o estopim para o retorno de vocês?
Então, a banda tava num ritmo intenso, tocando com frequência e começou a gravar. Mas aí coincidiu que rolou um monte de questões pessoais, outras bandas, filhos, profissão, casamento, etc… Então a ideia era só dar um tempo, mas aí foi acomodando, perdendo a pilha e quando a gente viu a banda tinha acabado e não tínhamos percebido. Foi uma bosta! Fez falta pra caralho, perdemos um monte de coisas legais, mas enfim… Só que sempre rolou o contato e vontade, quando em outubro de 2014 a gente enfim conseguiu ensaiar. Pronto, foi o desfibrilador pra ressuscitar o paciente em coma (risos). Daí, voltamos em 2015 e entramos logo em estúdio pra gravar as músicas que iniciamos em 2010, essas mesmas que resultaram no EP Novo Reich, com algumas mudanças, claro! (leia a resenha, clicando aqui!).

As letras são, em sua maioria, muito carregadas de críticas sociais, políticas e religiosas. Você acha que por vocês estarem no Nordeste, essa visão crítica é mais aguçada em relação a esses temas?
Talvez. Nunca pensei nessa perspectiva, mas Recife é uma cidade que tem uma estrutura urbana social e cultural que lembra um pouco o Rio de Janeiro. Contraditória pra caralho, praia e muito dinheiro rolando, muita criminalidade e um apartheid social com o muro “baixo”, porque riqueza e miséria são muito próximas. O Rio de Janeiro e o Nordeste têm muito em comum, porque tem muito do Nordeste por aí. Mas imagino que o Brasil das grandes cidades tem um cenário mais ou menos semelhante. Uma invasão religiosa reacionária (é só ver que o prefeito do RJ é o fdp do Crivella da IURD e a presidente da comissão de direito das minorias aqui em Recife é a esposa de um pastor que afirma que mulher deve ser subalterna ao homem e faz culto na Câmara de Vereadores). Miséria e violência avançando assustadoramente na mesma proporção assustadora de um fascismo à brasileira, em que a classe C quer foder a D, a B quer foder a C e a A tá se fodendo pra todo mundo no seu blindado. A teoria da Biopolítica de Foucault deveria ter um capítulo especial sobre o Brasil.

A banda tem uma demo e dois EP’s lançados, além de participação em coletâneas, como por exemplo a “36 Ensaios Anti-Imperialistas”, lançada pela Pecúlio Discos. O próximo material será um full lenght? Quais são os planos?
Pode crer. Hoje em dia cada vez mais as bandas independentes têm optado por EP’s, materiais mais curtos. Além do custo altíssimo de gravar e lançar um full, tem o lance de manter uma rotatividade maior de som novo. Talvez seja reflexo da nossa forma de consumir informação/música, pois tudo é muito rápido, dinâmico. É difícil até você ver a galera ouvindo um disco inteiro (risos) e eu acho isso muito estranho, porque sou meio ogro com modernidades. O fato de não ter um full com 15 anos de banda me frustra um pouco, mas o projeto é que em 2019 enfim lancemos um full, mas antes deve sair algum material curto com músicas novas.

Como surgiu o convite para participarem da coletânea lançada pelo Jornal Microfonia, em homenagem ao álbum Espelho dos Deuses!, da clássica banda pernambucana Câmbio Negro HC? Foram vocês que escolheram a faixa “Agonia de 64”? Como foi o processo de gravação?
Foi foda porque o CNHC foi uma das primeiras referências do hardcore pernambucano, claro sem contar o Devotos que já tocava em rádio. O Espelho dos Deuses! é um dos melhores discos de punk/hardcore tupiniquim para mim, então foi lindo. O convite surgiu logo após termos voltado com a banda, porque uma banda tinha saído e “Agonia de 64” tinha vagado. Essa música tem um significado foda pra o momento que vivemos de intervenção militar no Rio de Janeiro, por exemplo. Só que o convite foi em cima e só tivemos tempo de tirar a música, ensaiar, fazer uma versão e gravar no mesmo dia (risos). Foi foda, porque demos uma roupagem nova à música, com nossas influências. E pra não perder a oportunidade: Adriano, mais ima vez obrigado!!

Vocês já participaram de vários festivais no Nordeste brasileiro, como foi participar desses festivais e o que isso acrescentou para a banda?
A melhor parte dos festivais é conhecer um monte de banda e gente foda, até de estilos diferentes e aprendemos com produção e outras bandas. Tem um alcance maior de público e divulgação, principalmente em outras cidades. Especialmente no Nordeste, em que é mais complicado trazer bandas de fora (do país e do Sudeste) os festivais são importantes pra caralho pra renovação da cena,vide Abril Pro Rock (PE), For Caos (CE), e Do Sol (RN) por exemplo. Por isso, esses festivais não podem se esquecer de valorizar a cena local. Em Recife, especialmente o APR é visto como um troféu pras bandas locais. Claro que tem o lado bom disso, porque é uma forma de expandir o público, dar mais firmeza às bandas, mas a cena underground não depende disso pra sobreviver. Quanto às participações do Revolta Civil, claro que os festivais são sempre muito bons pro crescimento da banda, mas nosso som não é muito de festival grande, palco enorme e tal, acho que nosso role é mais de pico pequeno, público interagindo e uma parada mais intimista.

Essa será a primeira vez de vocês tocando no Sudeste? Quais as expectativas para esses shows no Rio de Janeiro?
A melhor possível. Esse é um projeto que tem mais de 10 anos e começou quando o Ataque Periférico veio pro Nordeste, em 2004 e 2007 (eu acho). Valcimar sempre ficava metendo pilha na gente, mas a gente sempre deixava passar. As bandas daqui colocam dificuldades em ir pro eixo RJ/SP, que são muito menos real do que se imagina. Temos bandas fodas aqui e tem muita gente curiosa por aí querendo nos ouvir, então bastava ter se organizado antes que teríamos feito isso há muito tempo, talvez hoje estaríamos voltando. E claro que com o suporte do patrão Valcimar e a 43 Burnt, tudo fica mais fácil, mas estamos muito pilhados pro rolê. Vai ser foda!! Veja as informações sobre os shows, clicando aqui!)

O que o público do Rio de Janeiro pode esperar desses shows?
Porra, muita empolgação da nossa parte, diversão, desgraceira e muito ódio. Costumamos dizer que nossa intenção é fazer dos 30/40 minutos, um show divertido e angustiante pra quem saca nosso show. Vai ser foda tocar junto com os hermanos do Ataque Periférico depois de 10 anos, agora na cidade do caverão, tocar com a Cervical (que, inclusive, vai ceder Bruno pra tocar baixo conosco nos 4 shows), com o DFC, com quem tocamos várias vezes por aqui e com as bandas que vamos conhecer. Nosso desejo é que os shows sejam tão marcantes pra quem participar da festa quanto pra gente. Quando a troca de energia é recíproca não tem como não ser foda.

Deixo o espaço aberto para você deixar um recado:
Então, primeiro agradecer o honroso espaço dessa entrevista pra divulgar nosso rolê em agosto aí no Rio de Janeiro. Muita satisfação fazer essa entrevista muito legal com você Deise, com quem trocava ideia há mais de 10 anos quando nem existia rede social (risos). Foda colaborar com o Revoluta, sei o quanto exige dedicação e algumas horas a menos de sono manter um “zine” sempre atualizado, com qualidade. Força pra manter esse trampo cada vez mais foda e tão importante pra fazer circular informação por/para/sobre o nosso tão sofrido underground. Espero te ver em algum dos shows e que a galera que teve curiosidade e paciência pra ler o que este idiota aqui tem pra falar, vá sacar nosso som e tomar umas boas brejas geladas regadas de muita zoada. Agradecer também a Valcimar (Ataque Periférico), à 43 Burnt Records e ao Bruno (Cervical), pois sem eles esse role não aconteceria. ‘Tamo chegando da Veneza brasileira, que consegue ser mais fétida que a italiana.

Para ouvir a banda, clique aqui!

Deise Santos
Carioca, jornalista, produtora cultural, baixista e guia de turismo. Deise Santos é apaixonada por música - principalmente rock e suas vertentes -, literatura, fotografia, cinema, além de colecionadora - contida - de vinis. Pé no chão e cabeça nas nuvens definem a inquietude de quem está sempre querendo viajar, conhecer pessoas e culturas diferentes. Idealizadora do Revoluta desde seus ensaios com zines, blogs e informativos, a jornalista tem como característica a persistência em projetos que resolve abraçar.
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