Viva La Brasa – Adolfo Sá Entrevistas by Márcio Sno - abril 11, 2015junho 24, 20200 QUEIMANDO TUDO ATÉ A ÚLTIMA PONTA Rock, artes plásticas, surf, festas, shows, motocicleta, maconha, quadrinhos… Esses são alguns dos muitos assuntos abordados no primeiro livro de Adolfo Sá. No “Vila la Brasa”, o autor compila alguns dos muitos textos publicados em seu blog homônimo, que é uma espécie de continuação do excelente zine Cabrunco, que fez em parceria com Rafael Jr. nos anos 90. O livro foi lançado totalmente independente, isto é, ele bancou financeiramente tudo. Mas não pense que, só por isso, ele iria economizar em qualidade: além dos ótimos textos, o projeto gráfico é um dos mais audaciosos e criativos já lançados, abusando de muitas imagens, diagramação audaciosa, tudo muito harmonioso. A narrativa mostra um autor envolvido com muita gente boa, viajando por diversos lugares, ouvindo alto e bom som, bebendo umas e outras e voando baixo em sua moto. Mas nem por tudo isso seu texto é de autopromoção: são relatos de uma testemunha ocular, com uma visão privilegiada. Tudo escrito de forma que a leitura flua fácil, dando a impressão de estar vivendo tudo aquilo ali, ao lado de Adolfo. Bati um papo com o autor, relembramos o passado, das dificuldades para se lançar livros, e toda essa energia de continuar produzindo ganhando nada com isso. Não é o ideal, mas essa é a essência. por Márcio Sno Desde o zine Cabrunco você esteve à frente de seu tempo, com textos de qualidade destacável e que colocava, quando necessário, o dedo na ferida sem cerimônias. Isso lhe gerou muitos problemas? Gera até hoje. Lembro que nessa época muitos “zineiros das cavernas” questionavam o Cabrunco por abrirem mão do tradicional “recorta e cola analógico” e optar por um visual mais limpo e profissional. Como era lidar com isso? Chato, como todo patrulhamento é. Eu e Rafael Jr. (baterista da Snooze) já escrevíamos num jornal vagabundo e decidimos criar o nosso próprio: Cabrunco Zine. Até o nome era uma piada, “cabrunco” é um palavrão na gíria local. O Cabrunco era um dos melhores zines de sua época que influenciou muitos zineiros, dentre os quais eu me incluo. O que explica o fim dessa publicação? Sério que a gente te influenciou? O zine acabou porque eu tava de saco cheio, precisava correr atrás das minhas coisas (trampo, faculdade) e coincidiu de estar em Recife quando Chico Science morreu, o que me levou a várias questões existenciais. Anos depois você voltou a publicar, mas dessa vez via internet, com o “Viva la Brasa”. O que lhe motivou a voltar a escrever? Secura. Passei um tempo escrevendo pra revista Rock Press, mas tava sentindo falta de fazer algo meu. Entre uma coisa e outra, eu e uns amigos realizamos o ROCK-SE, primeiro festival nacional de rock em Sergipe com nomes que iam de Pin Ups, Eddie, Snooze e Mechanics a Marcelo D2 e O Rappa. Também me formei jornalista e me tornei editor de imagens. Passei um tempo no Rio de Janeiro, dormindo no sofá da sala do apê do Allan Sieber, que já tinha um blog muito louco que ele mantém até hoje. Voltei de lá e criei o “Viva La Brasa”, que funcionaria como um zine sem os custos de xerox, correio etc. Mal sabia eu… Como foi a ideia de transformar o blog em livro? Muita gente me perguntava e até cobrava a volta do Cabrunco. Quando o “Viva La Brasa” completou 7 anos o grafiteiro André Chagas criou uma marca nova, mas eu andava sem tempo pras postagens e segurei a onda. Em 2013 reuni uma equipe pra editar e diagramar o livro, que só saiu agora em 2015. A marca tá na capa. Num mundo cada dia mais digital, no qual a juventude, em sua maioria, prefere textos curtos ou mesmo vídeos e áudios, qual a motivação para lançar um livro? Por que uma banda lança álbum em CD, vinil, numa era em que todo mundo compartilha música de graça? Produzi muita coisa em 20 anos, mas tudo espalhado e perdido por aí. Foi uma maneira de acertar as contas com o passado e seguir em frente. Hoje é muito comum livros serem lançados por intermédio de editais ou editoras. O seu foi lançado com os seus próprios recursos. Chegou a tentar uma editora ou edital? Como foi bancar tudo isso? Deixou de comer? Tentei editoras de norte a sul, e nada! Foi foda tirar tudo do bolso, e ainda tem as viagens de lançamento pelo Brasil. Gastei uns R$15 mil no projeto, trampei feito doido pra fechar essa conta. Podia ter tentado a gráfica do estado, mas não quis usar dinheiro público. Podia ter investido num carro, mas seria um bem de consumo. Questão de atitude. E o processo de curadoria para selecionar os textos que foram para o livro? Foi muito difícil? Pedi pra alguns amigos indicarem os textos que mais gostaram de ler, os que lembravam e tal. Selecionei os meus preferidos, fiz a média e mandei pro editor. A ideia era lançar com 300 páginas mas por razão de custo reduzimos pra 280. Muitas páginas chegaram a ser diagramadas mas não entraram. Sofrência. Na escolha dos textos você não abriu mão de alguns momentos tristes, como a perda de seu irmão. Como foi para você contar essa história tão próxima e dolorosa? Há coisas que você faz porque tem que fazer. Muita gente me fala que as histórias são engraçadas e eu ganho o dia, mas essa é uma passagem triste. A vida também tem seus dias ruins, né? O projeto gráfico é de muita audácia, principalmente por se tratar de um lançamento independente. Como foi a concepção e produção dessa parte? Estética de zine, colagens, fotos, quadrinhos, ilustrações, preto e branco. A artista Gabi Etinger diagramou. Coitadinha, trampou pesado durante 2 anos. Você credita a autoria do livro como “Adolfo Sá & Amigos”. Por que resolveu dividir os créditos? Tive a colaboração de muitos amigos, com HQs inéditas de Adão, Schiavon, Cachorrão e Pablo Carranza, ilustrações de Weaver, Giba, Marcão, Gabi e Dani Etinger, textos de Ellen Rocha, Adelvan, Maíra, Michael Meneses e aquela entrevista que você fez com a Gangrena Gasosa. Seria sacanagem ficar com os créditos só pra mim. Quanto tempo foi de ter a ideia do livro até o lançamento? Qual foi a etapa mais complexa dessa produção? 3 anos. Nada foi fácil. No meio do processo, você teve problemas com o editor, o que fez com que você acumulasse tarefas. Isso é carma de zineiro que tem mania de fazer de tudo? Deve ser a Maldição do Cacique Serigy, lenda local que diz que nada que sai daqui vinga. Seu estilo de produção literária se encaixa no que se conceituou chamar de “jornalismo gonzo”. Você se sente à vontade nessa categoria? Sim, comecei a gostar de literatura por causa do Bukowski e já usava uma abordagem gonzo nas minhas matérias antes mesmo de ler “Medo & Delírio em Las Vegas”. Tipo ficar bem louco e me envolver com as personagens. Só não pretendo estourar os miolos, feito Hunter Thompson. Em diversas passagens você cita que já aprontou poucas e boas e faz questão de frisar que hoje é casado e que está sossegado. Se arrepende de algo que fez (ou que não fez) dessa época mais “porraloca”? Já dizia a Graforréia [Xilarmônica, banda gaúcha]: “Se arrependimento matasse, hoje eu estaria num cemitério qualquer, apodrecendo de raiva e também fazendo força pra abrir o caixão e retornar”… O livro mostra que você teve experiências diversas com muitas pessoas (inclusive muitas que hoje aparecem muito na mídia). No entanto, ao contrário de alguns autores que escrevem relatos semelhantes, você não direciona seu texto para dizer que “eu sou o cara” ou “eu sou foda”. Você tomou esse cuidado ou sua forma de escrever natural está isenta desses “méritos”? Tem um capítulo chamado “SOU FODA”, mas é um meme. No livro você manteve alguns termos da internet como: “vc”, “c/”, “p/”, “hj”. Isso seria para manter o link com o blog? Tava assim nos posts originais e optamos por manter a escrita. Por mim teria ainda mais links com o blog, tipo comentários no canto de algumas páginas. Utilizar uma infinidade de tipos de fontes no livro foi uma aposta arriscada (uma vez que geralmente se usa duas ou três fontes, no máximo) ou você estava se lixando pra isso? A fonte nos textos é a mesma, só muda nos títulos. Foi uma opção da diagramadora, acho que ela conseguiu lidar bem com o risco. Olhando o livro depois de impresso, dá vontade de mudar algo? Sim, gostaria de vender tudo pra fazer uma segunda edição do jeito que eu quero. Mas é só um sonho. Leonardo Panço sempre que lança um livro reclama das dificuldades de vender, que está desanimado etc e tal, mas sempre se envolve na produção de algo novo. E você, qual o balanço que faz até agora do “Viva la Brasa”? Já está pensando em algo novo? Tenho feito lançamentos nos estados vizinhos, já tá valendo pelas viagens com minha mulher e a curtição com os amigos em lugares diferentes. Trampei sem férias por 10 anos, e você sabe: “muito trabalho e pouca diversão fazem de Jack um bobão”. Tô sempre pensando em algo novo, esse é o problema. Com a popularização das redes sociais, os blogs aos poucos foram perdendo suas forças e muitos se extinguiram. Qual é o status do “Viva la Brasa” nesse contexto? Vivo e se mexendo. Reativei em janeiro, logo após a festa de lançamento – com 5 bandas e pole dance. Tô atualizando o blog sem obrigação de nada. Deve ser a melhor fase. Pelo menos pra mim. No blog e no livro fica clara a infinidade de talentos artísticos de Sergipe, de grande qualidade mas com pouco reconhecimento fora do meio independente. Em sua opinião, por que isso acontece? Se até nos grandes centros a produção independente existe em nichos, imagina na região Nordeste e no menor estado do Brasil. O mercado cultural empurra seu lixo para a massa, que consome sem pensar e assim caminha a humanidade. Em alguns textos você conta suas aventuras e problemas sobre as duas rodas. Já maneirou nesse quesito? Já tirou sua habilitação para pilotar? Sim, e pretendo comprar uma moto este ano. Com essa experiência editorial, o que é produzir um livro independente no Brasil? Fazer por prazer e não se iludir com lucro. OK, você já escreveu o livro. Como estão os projetos para a produção de um filho e a plantação de maconha? Filho ainda não fiz, mas tenho praticado bastante. Quando Gil engravidar, pode ser que eu mude com ela pro Uruguai e me torne agricultor. 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