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Punk e Tropicalismo movimentos que desnudaram o Brasil

Em 2019 completam 30 anos do lançamento do LP Brasil dos Ratos de Porão.
Neste ano de 2018 comemora-se os 50 anos de lançamento do LP Tropicália ou Panis Et Circencis.
Existe algum sentido ou lição que se pode extrair de discos tão díspares, direcionados para públicos tão diversos e produzidos em períodos históricos diferentes?
Acreditamos que sim. E é isso que tentaremos demonstrar abaixo.

SOBRE OS ARTISTAS

Os Ratos de Porão se formaram na cultura de rua do punk, num ambiente anti-intelectual, pouco afeito a estilemas poético-musicais.
Observando a realidade, fazem um recorte dos aspectos mais violentos desta e se empenham em expressar o que veem da forma mais direta e dura que são capazes. A cama musical sobre a qual se assenta o texto é formada por um som ríspido & cru executado com guitarra distorcida, baixo e bateria rapidíssimos, e vocais rasgados.
Já o grupo tropicalista unia artistas com cultura universitária a um maestro de sólida formação erudita.
Esteticamente eles recuperaram elementos cafonas do passado para expô-los à luz do que era então tido como moderno, provocando um choque entre essas imagens com o objetivo de mostrar o quanto éramos atrasados.
No plano das letras houve uma atualização dos procedimentos de composição, incorporando o que havia de mais inovador na linguagem poética do período.

QUE PAÍS É ESTE?

O Brasil dos Ratos de Porão é um país onde se devasta a floresta amazônica. A truculência da polícia, do governo e da militância nacionalista assombram, o espectro do regime militar está presente e a criminalidade se de um lado apavora a população, de outro é explorada comercialmente por programas sensacionalistas. A juventude é retratada como refém das drogas ou alienada por programas de TV e pela música comercial.
A capa desenhada pelo quadrinista underground Marcatti explicita essa visão de país desigual, comandado por forças repressoras, que obedecem a políticos corruptos e exploradores de um povo sofrido.
Já no país do pão e circo tropicalista os canhões do exército podem ser ouvidos no dramalhão cafona do Vicente Celestino enquanto a tradicional família brasileira não se abala na sala de jantar. É um disco que abre e fecha com orações, súplicas por mudanças, para que o país se transforme no que nunca chegou a ser apesar das promessas de modernização industrial feitas pelo governo. A repressão militar assim como a patrulha da turma da música de participação e dos intelectuais engajados são ironizados. Todos são convidados a ouvir uma canção comercial e relaxar.
Essa carnavalização está estampada na capa do LP que reproduz a fotografia de uma “família” burguesa e seus personagens típicos como o casal, os filhos, o tio agregado (que toma chá no penico, em referência ao urinol de Duchamp) num quadro geral que remete ao Sargent Pepper’s, dos Beatles.
Ambos os LPs buscam retratar uma visão de país e, obviamente, cada um deles dá testemunho da cultura dos seus criadores e do período histórico em que foram produzidos.
O grupo baiano falava desde um período ditatorial, com a repressão a pino.
Já os punks de um momento de abertura democrática, quando um governo eleito indiretamente pelo congresso nacional havia produzido um caos econômico com reflexos sociais graves.
Apresentando diferentes visões estéticas e conceituais, falando para públicos diversos, com ambições e calibres que os situam em segmentos não coincidentes da faixa de produção musical, o certo é que ambos os grupos refletiram e expuseram suas experiências e cognições de Brasil assumindo uma posição diante da realidade na qual se inseriam.

E O BRASIL DE AGORA?

Assim como os artistas sumariamente analisados aqui deram a cara a tapa, enfrentaram o conservadorismo tacanho da sociedade brasileira, obviamente com graus distintos de perigo, é necessário agora que outros agentes do campo da cultura estejam prontos para se posicionar diante do que promete ser um governo que dará ênfase no discurso tecnocrático, pregando eficiência e modernização no campo da economia, sendo reacionário e hipocritamente moralista no campo comportamental, reprimindo tudo que destoe do projeto de “Brasil grande” e da família & valores eleitos como tradicionais.
Se os tropicalistas enfrentaram os CCC (Comando de Caça aos Comunistas) da vida e os Ratos tiveram que se defender dos skinheads (me lembro de um show no Circo Voador em que o Jabá quase quebrou o contrabaixo na cabeça de um deles), hoje temos a patrulha, não menos violenta, comandada por imbecis neonacionalistas como o careca que não é do subúrbio, mas é dono de uma multinacional (nacionalista brasileiro que utiliza como símbolo das suas lojas a estátua da liberdade norte-americana!?!?!?) ou o infeliz responsável pela quebra da placa que homenageava Mariele, a vereadora do Rio de Janeiro assassinada cujo inquérito se arrasta sem identificação dos culpados até o momento em que este texto está sendo escrito.
Que esses discos sirvam de inspiração, que sejam tidos como exemplares da atitude a ser assumida diante do arbítrio e da violência institucional que se avizinha.
“Seja zombando como fizeram os tropicalistas (ridendo castigat mores) ou desafiando acintosamente como os Ratos de Porão, o fato é que precisamos nos posicionar e dizer como os espanhóis: ¡No pasarán!

Por Lúcio Medeiros

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