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Ópera Rock para protestar

Compor uma ópera rock não é uma tarefa fácil. É preciso juntar muitas referências e costurá-las, acrescentando ao lirismo e a teatralidade inerentes à ópera, o peso, o ar de denúncia e a crítica, inerentes ao rock, tudo na medida certa.
Conseguiu imaginar tudo isso junto? Essa é a Insurgência Ópera de Protesto, formada por Marcelo (vocalista), Juninho, Jean (guitarrista) e João (baterista).

Nesse bate-papo com o Marcelo falamos desde a formação da banda há cerca de 5 anos até os tempos atuais, em que a banda acaba de lançar o 3º ato da ópera e já está compondo o ato número 4, passando pela experiência de tocar numa ocupação e os desafios em tempos de distanciamento social.
Confira!

Entrevista por Deise Santos

Fotos de Gisele De Luca Rodrigues

Como a “Insurgência Ópera de Protesto” foi formada?
A banda foi formada entre 2014 e 2015 e a primeira formação aconteceu devido à amizade pré-existente entre os integrantes, que ou se conheciam pelo meio musical e bandas em comum, ou pelo skate. Isto mesmo, nós andamos de skate e naquele momento três dos quatro integrantes andavam de skate. Hoje os quatro integrantes andam de skate. Não é uma banda de skate Punk Rock, mas o skate é um ponto comum entre todos os integrantes. Atualmente ainda mais. Nós tínhamos um desejo de fazer um som, com influências bem variadas, em forma de Ópera Rock.

Quais são as influências que cada integrante trouxe para a Insurgência?
As influências são bem variadas, desde rock setentista até Clara Nunes, passando por Ministry e Public Enemy. A formação atual possui forte influência do Stoner Rock, do Doom Metal e do Hard Rock. Entretanto, as apresentações são pautadas em performances que transcendem o Rock, misturando o teatro e o lirismo.

O seu vocal ora é falado, ora é cantado. Quais são as referências e o porquê de escolher essa forma de cantar?
As referências são variadas para estes trechos: recitativos operísticos e o teatro do proletário. Nos interlúdios, que são os trechos entre as músicas, a necessidade de melodia é menor, então o texto deve sobrepor a musicalidade. E o teatro ensina a intenção da fala. Isto na música é conhecido por “dinâmica”, e nos recitativos, é notório que se percebe a crítica, o deboche, o escárnio e o sarcasmo. Enfim, a Ópera em sua forma clássica é uma ligação de coros e árias através de recitativos. Nós fazemos isto, porém com Rock n’ Roll.
Exclusivamente para estes trechos e forma de cantar, as referências são: Rollins Band, Black Sabbath, John Coltrane e algumas peças de “Réquiem” (de Brahms, Mozart e Verdi). Além da “Missa em B menor” de Bach. The Who e Ministry também compõem este campo de influências de como é cantada a Ópera de Protesto.

Show na Passagem Literária (Paulista x Consolação)

Como é misturar jazz com guitarras distorcidas e frases de protesto?
É uma experimentação com bastante cuidado. Não pode transcender o entendimento, pois assim a música sobrepõe o texto, e desta forma não adianta tentar falar, pois a música toma toda a atenção. Por outro lado, a música conduz a expressão da fala e complementa esta fala. As guitarras procuram uma sonoridade que apesar de parecer com Rock anos 70, muitos acordes são encadeados de maneira a enfrentar intervalos pouco comuns, de maneira simples. É como pensar que uma obra jazzística possa ser desmembrada em pequenas frases para se tornar uma composição com maior teor de Rock. Seria possível fazer Rock a partir de uma frase de Rock pré-existente. No nosso caso, a tentativa é fazer Rock com frases, acordes e harmonia que vem de diversas direções e desemboca no Rock.

As letras foram compostas por quem?
Por mim, eu gosto de escrever. Estudo canto já faz uns bons anos, então esta é a minha parte. Sempre com a anuência da banda.

A arte do encarte dialoga bastante com as letras, sendo de certa forma um complemento, quem foi o responsável pela composição das imagens?
Eu e o João (baterista). O João é artista gráfico e eu sou meio que um “faz tudo”, já fiz fanzine, então a coisa surge mais fácil.
Sim, a arte do encarte é uma imagem para o texto. Nós sabemos que a imagem mental das letras deveria ser responsabilidade exclusiva do leitor ou ouvinte, mas isto não é, e nunca foi uma verdade. A pessoa pode ouvir e não formar imagem alguma. Então o encarte ajuda muito a ilustrar, ou a formar uma ideia mental daquilo que o texto representa.
(N.E.: O encarte pode ser visualizado no site da banda)

Nos dois primeiros lançamentos, vocês não deram nomes para os atos, chamando-os de primeiro e segundo movimento. Por que esse ato recebeu o nome de “La Farinata”?
O momento foi oportuno. A ascensão do então governador de São Paulo que tentou distribuir comida pré-processada para os moradores, denominada Farinata. E como eu me “meto a besta” de querer participar de óperas, então para dar uma zoada no status quo do mundo da música clássica, o nome “La Traviata”, que é uma ópera linda com um enredo horrível, virou “La farinata”, que é a ópera de protesto em ato único. E os dois primeiros não tem nome pois ambos duraram muito pouco. O primeiro e o segundo foram executados muito pouco, mas o terceiro foi uma temporada de dois anos.

O Ato 3, assim como os outros, é composto de uma única faixa (com quase 40 minutos), mas não uma única música, como foi feita essa composição? Como foi essa “costura” na ordem das músicas?
O ato 1 foi gravado ao vivo, e teve somente um recorte entre duas músicas. O ato 2 foi gravado separadamente, assim como se faz tradicionalmente, cada  música no seu esquema separado.
O ato 3 foi gravado tudo separado, exceto a voz, que o vocalista gravou de uma única vez. E a música 1 foi a única refeita.
A “costura” já nasce nos ensaios. A Insurgência ensaia exatamente como foi a gravação. Primeiro fazemos as músicas e depois os interlúdios, mas quando o ato está pronto, tocamos tudo de uma vez só. Ou seja, ensaiamos sempre como vai ser a apresentação. A ordem das músicas normalmente não muda desde a criação da sequência. Por exemplo, estamos terminando o ato 4, e as músicas já estão na sequência. Eu já sei como vocalista que será uma pedreira cantar este ato pois as últimas músicas têm notas agudas bem marcantes. E como o som no show tem que ser como no ensaio, e as apresentações têm as coreografias, as danças e as expressões corporais, o ato 4 promete muito trabalho.

A inserção de áudios de notícias, de novelas e outras intervenções sonoras parecem funcionar como o fio condutor entre as músicas, é esse o propósito?
Exatamente. Algumas gravações nós levamos para os shows e outras aparecem somente na gravação em estúdio. Não temos sampler, Dj ou programadores. Tentamos ousar com estas inserções e tem dado certo. As pessoas reconhecem o som e ficam bem atentas. Algo assim: a ópera não desliga. Começa e só desliga no final, e o público fica intrigado com o composto de música, texto e teatro.

Esse material foi composto completamente em 2018 ou foi um processo que veio sendo construído até ser concluído agora em 2020?
Em 2018 o ato 3 estava pronto, e sua execução foi em diversos locais até 2020, quando decidimos gravar e produzir o próximo ato.

Show na pista de skate do Sumaré, parque Zilda Natel.

Vocês fizeram um show na Ocupação Alcântara Machado, em apoio aos moradores contra uma reintegração de posse. Como vocês chegaram até eles? E como foi a reação deles à proposta sonora que a Insurgência Ópera de Protesto apresenta?
É uma honra tocar na Ocupação Alcântara Machado. Eles gostam de nós. Nós tocamos para eles e por eles. É um lugar mágico. Este lugar nos ensinou que não temos público, e que as ruas e as pessoas são o público. Nós tocamos para as crianças da Ocupação o Rock n Roll de protesto e elas sorriem ao escutar o som intenso. É isto, nós somos artistas e o povo precisa de arte, então levamos nossa expressão até eles. Eles não vão no SESC ou em alguma casa de show. Existem crianças ali que nunca tinham visto um microfone de perto. Nós temos várias ações sociais com eles, mas isto não divulgamos, pois quem ajuda não precisa fazer propaganda.

Neste período pandêmico, a classe artística foi a mais atingida em toda sua cadeia de produção. Como tem sido lidar com a não realização de shows e o distanciamento social? Como isso impactou na produção final deste material?
Se a gravação tivesse ocorrido e depois as apresentações acontecessem, seria bem pior do que está sendo. Como a gravação foi para encerrar, nós aproveitamos e compusemos o ato 4 neste período sem shows. Fizemos uma live para divulgar a gravação e seguimos bem devagar nas postagens (questão de estratégia). O importante é montar o ato 4, e em 2021 tocar muito nas ruas, praças e lugares abertos como pistas de skate e outros locais onde existam pessoas que escutarão a Ópera de Protesto, seja por interesse, seja por casualidade.

O Ato 3 já está no bandcamp da banda, mas a banda pretende lançar um material físico. Como será esse lançamento, visto que no momento não estão rolando shows. Vocês pretendem fazer uma transmissão online ou algo do gênero?
Pretendemos fazer algumas cópias físicas sim, mas isto somente quando os shows retornarem.
É possível que façamos algum ensaio aberto em alguma praça até os “cops” chegarem. Mas o certo é que 2021 vamos investir mais sério ainda contra a família que desgoverna este país, então a Ópera de Protesto vai tocar bastante, assim esperamos.

 Deixo o espaço para as considerações finais:
Muito obrigado pela oportunidade. Estamos muito felizes em responder estas perguntas. A idéia é manter a arte e a cultura em desenvolvimento, caso contrário os telefones e os videogames tomam lugar da música.
Juntem-se para protestar, seja com música e consciência, pois assim nos libertamos da opressão.

Formação da banda:

Marcelo – voz
Juninho – baixo
João – bateira
Jean – guitarra

Para conhecer e seguir:

Instagram
Site Oficial

Para ouvir:

Deise Santos
Carioca, jornalista, produtora cultural, baixista e guia de turismo. Deise Santos é apaixonada por música - principalmente rock e suas vertentes -, literatura, fotografia, cinema, além de colecionadora - contida - de vinis. Pé no chão e cabeça nas nuvens definem a inquietude de quem está sempre querendo viajar, conhecer pessoas e culturas diferentes. Idealizadora do Revoluta desde seus ensaios com zines, blogs e informativos, a jornalista tem como característica a persistência em projetos que resolve abraçar.
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